A Bruxa e o terror psicológico a longo prazo

A Bruxa é um filme que foi aguardado com um anseio considerável pelos amantes de filmes de terror. Lançado em 2015, chegou apenas neste fim de semana nos cinemas brasileiros e e já tem o título de novo clássico pela imprensa e a crítica especializada, dando ao público uma esperança perdida a muito tempo. Será que finalmente um filme do gênero cumpre o seu papel com maestria na mente dos espectadores?

Calma aí que eu vou voltar um pouco no tempo.

 

Em 2004 eu já era uma grande apaixonada por cinema e histórias, mas nem de longe tinha o interesse que tenho hoje. Mesmo assim eu me lembro da comoção que A Vila gerou entre os meus amigos. As ações de marketing intensas prometiam uma história horrorizante e revolucionária. Além disso, a pouca entrega de spoilers na produção – muito disso se deve da internet ainda não ter dominado completamente a vida das pessoas na época – gerou a necessidade quase implacável de assistir o filme.

The Village A Vila Filme

Boa parte das minhas lembranças, no entanto, se devem a decepção coletiva que eu e meus colegas sentimos ao assistir o filme e descobrir que, na verdade, todo aquele misticismo era uma grande mentira. A Vila e suas lendas eram simplesmente experimentos sociais que deram redondamente errado. A sentença era única: o filme é uma merda. “Não acredito que disseram que esse filme era tão bom” foi a conclusão unanime entre nós.

12 anos depois e o sentimento se repetiu.

 

A partir do momento que li matérias em que o filme foi elogiado por satanistas e fez o Stephen King sentir muito medo, eu não tinha nenhuma dúvida de que A Bruxa era o filme de terror que o cinema estava suplicando. Venhamos e convenhamos: faz tempo que não tem uma boa história de terror no cinema, dessas que mudam as regras do jogo como O Pânico conseguiu, citando um exemplo relevante.

Quando a sessão de A Bruxa em que eu estava acabou, a sensação de que o filme era um completo lixo foi inevitável e havia sido vendido da maneira mais incorreta possível pelos seus distribuidores e pela imprensa especializada. As pessoas saíram do cinema reclamando muito que o filme não tinha a capacidade de oferecer aquilo que elas estavam buscando. Não posso negar que o mesmo sentimento que tive com A Vila também apareceu no fim do filme.

black philip bode goat best actor melhor ator
Estou colocando o melhor personagem do filme para ilustrar o post porque não tem como não amar o Black Philip

Ultimamente estamos reféns ou de um ultra realismo que nos dá apenas prazer em assistir coisas gore ou então queremos apenas desafiar nossa capacidade cardíaca com os sustos que um filme pode oferecer. Uma comparação válida do que está acontecendo com o terror é a pornografia, onde as coisas mais simples e humanas perdem o seu valor e a sua graça mediante as coisas extremas que nos são oferecidas com tanta facilidade.

É exatamente nisso que A Bruxa traz uma completa decepção para o público na década de 10 do século XXI. Não conseguimos mais enxergar a beleza que existe numa fábula clássica que aborda o que existe de mais simples no terror: nós mesmos.

Em A Bruxa o verdadeiro terror será sentindo a longo prazo

 

O fato que A Bruxa é um filme que não vai deixar você indiferente ao sair do cinema. Para as vistas mais superficiais e uma primeira impressão, certamente é um filme cheio de diálogos, arrastado, sem cenas mais agressivas, o que o torna de baixa qualidade para muita gente. Totalmente diferente do que pauta o sucesso de filmes do gênero nas bilheterias.

Dirigido e roteirizado por Robert Eggers, o longa é o retrato de uma família extremamente cristã sendo despedaçada por sua própria crença e negação da natureza humana. Toda a tensão entre a família incomoda o inconsciente coletivo formado e conduzido durante séculos pelo cristianismo, o que gera uma negação imediata em muitas pessoas desavisadas. Apesar de se passar no século XVII e na Europa, a problemática moralista agarrada na religiosidade é ainda a mesma que nos amarra e nos desumaniza, nos afastando da nossa própria natureza.

The Witch

A humilhação e responsabilidade pela tragédia na figura jovem e feminina de Thomasin (Anya Taylor-Joy) também continua nos cercando todos os dias na lista interminável de obrigações sociais e morais que as mulheres tem que cumprir para serem aceitas e amadas. Provavelmente não será suficiente. Para muitas de nós, mulheres, só haverá espaço nas sombras para ser livre. Um padrão que se repetirá ainda por muito tempo. Assim como aconteceu com a jovem que encontrou apenas no seu maior pavor a única possibilidade de ser verdadeiramente livre.

E, claro, a cereja do bolo de A Bruxa está na coleção de símbolos ocultos e satânicos a serem desvendados, onde boa parte das mensagens é passada de maneira clara apenas para quem tem a bagagem de conhecimento necessária. Para quem ainda está na superfície não passam de cenas e acereços apenas para impressionar ou confundir.

Assim como A Vila, que depois de muitos anos se tornou um clássico obrigatório pela sua genialidade e trama surpreendente, boa parte do conteúdo de A Bruxa só conseguirá ser absorvido após os interessados mastigarem bastante a mensagem passada – basta ter disposição para ruminar o assunto. Só conseguiremos entender o tamanho desse samba daqui a alguns anos.

E aí? Está disposto a encarar esses demônios? O filme continua em cartaz, mas em poucas salas. Provavelmente não ficará por muito tempo.


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