Batman – Ano Um
Depois de tantos anos dedicando boa parte da minha coleção ao Batman e histórias da DC que contam com o morcegão no elenco, posso dizer que já li diversas versões da trágica história de Bruce Wayne na sua infância e como isso afetou a sua vida de maneira irreversível. Claro que se o que aconteceu com o pequeno Bruce tivesse acontecido comigo eu provavelmente teria parado nas mãos dos melhores psicólogos de Gotham City, mas o menino solitário resolveu suas questões de outra maneira: vestindo preto e se tornando a própria sombra e o terror para o crime que ceifou sua família tão precocemente. Mas esse texto não está aqui para falar do que eu faria como herdeira da fortuna dos Wayne, e sim o que eu achei de Batman – Ano Um, a versão de Frank Miller para a origem do Cavaleiro das Trevas.
A FORÇA DOS ANOS 80 NOS RUMOS DOS QUADRINHOS PASSAM POR BATMAN – ANO UM
Batman Ano Um Capa Panini A edição encadernada lançada pela Panini Books em 2011 começa com um ótimo material de apoio para ajudar o leitor a se contextualizar no cenário ainda não muito construído do que seria a Gotham com Batman e o Comissário Gordon e um prefácio elucidativo escrito por Denny O’Neil de como Frank Miller era uma peça chave para os rumos da indústria dos quadrinhos na década de 80, consagrando-o como grande criador de tendências do período e um dos nomes eternizados na história do Batman por ter escrito o bombástico “O Cavaleiro das Trevas ”. Isso é importante para entender as razões de mais uma vez a história da origem do personagem ser reescrita.
DESCONSTRUINDO A IMAGEM IRRETOCÁVEL DO HERÓI, DO AMIGO DO HERÓI E DOS INIMIGOS
Como estamos falando de Miller, que deslizava com facilidade no desenvolvimento dos seus roteiros controversos enquanto estava em seu auge, é fácil imaginar que a história original de Bruce Wayne, apesar de ter sua essência intacta, teria contornos mais imprevisíveis e inaceitáveis para os fãs puristas. Não sei como os leitores reagiram na época, mas eu teria total estranhamento ao ver o futuro Comissário Gordon traindo sua esposa, Selina Kyle de cabelos raspados e totalmente bagaceira, e o próprio Batman sendo completamente displicente com sua segurança, saúde e preservação da própria identidade. Se a ideia de Miller era dar novos e mais surpreendentes contornos aos personagens já tão bem definidos na época, ele conseguiu.
Batman – Ano Um com certeza é um clássico não só por exaltar os anos do jovem Bruce Wayne sendo muito mais inconsequente e sem controle do que estamos acostumados, mas por mostrar um raro protagonista: Comissário Gordon e a nada fácil trajetória ao cargo que lhe foi atribuído desde sempre. É muito curioso conhecer um pouco mais da vida pessoal do Gordon quando jovem, com sua esposa grávida, seus medos e o ódio pulsante pela cidade de Gotham.
A TEMPERATURA ESQUENTA ATRAVÉS DOS PINCÉIS
David Mazzucchelli é o desenhista que dá formas a narrativa de Miller, que dessa vez optou apenas por fazer o roteiro. As ilustrações são realmente cruas e objetivas para combinar com o desconforto e a estranheza dos fatos da história, mas o destaque e a alma deste gibi estão nas mãos e nas tintas de Richmond Lewis , que faz uma escolha de paleta de cores quase primitiva, com muita frieza em momentos calmos, e muito quentes, quase pegando fogo, nos momentos de ação e cenários mais pesados. Vale ressaltar a transição que ele faz entre os momentos calmos e mais agitados, acrescentando cores quentes aos poucos, conforme a tensão cresce. Gênio. Um belíssimo momento do quadrinho fica também a cargo do trabalho delicado que Mazzucchelli faz no posfácio biográfico e metalinguístico, uma entrega total de um artista a um ícone pop como o Batman.
Estes aspectos confirmam que Batman – Ano Um é mais um clássico da década de 80 que redefiniu os limites das histórias de Super Heróis, humanizando suas características e contestando seus pontos fracos. Se você é fã do herói e coleciona quadrinhos é imprescindível ter esse exemplar na sua estante.
Publicado originalmente em poderinfinito.com.br